
De vez em quando perguntam-me se não tenho saudades da escola... Eu respondo que sim, claro, que não fazia nada e que chegava a casa a tempo de ver o San Goku!
Mas, pensando bem, há outras de que tenho saudades... designadamente de jogar à bola. Contudo, não é do jogo da bola em si que tenho saudades, mas sim de toda a envolvente ao próprio jogo:
1. Reservar o campo
Apesar de a escola onde andei ter vários campos de futebol, nem sempre era fácil conseguir jogar, isto porque a concorrência era feroz. Era impressionante... mal soava o toque de saída para o intervalo grande (que era a meio da manhã, às 11 horas) e para a hora de almoço saíamos a correr das salas em direcção aos campos de futebol, sendo que o primeiro que tocasse no poste da baliza, ganhava o direito a jogar naquela metade do campo. Se porventura quisséssemos jogar no campo inteiro a turma que teria que ter dois velocistas para conseguirem chegar a ambas as balizas do mesmo campo, para terem direito a jogar no campo inteiro.
Claro que, muitas vezes, para se jogar à bola havia que fazer sacríficio... normalmente quem corria para o campo (normalmente o colega de raça negra, por ser mais veloz), não tomava o pequeno almoço, ou não almoçava.
2. A Escolha das Equipas
Outra involvente ao jogo da bola era a escolha da constituição das equipas, cujo n.º se jogadores dependia do número de alunos no campo. Se eram 14, fazia-se um 7 para 7, se eram 25, um 12 para 13, se eram 7, um 3 para 4.
Como se prodedia, então, à escolha das equipas? Em primeiro lugar, e para uma melhor explicação desta complexa operação é necessário classificar os jogadores em 7 grupos:
- Os capitães de equipa - normalmente bons jogadores mas individualistas, destacavam-se por mais por ter uma forte personalidade, do que pelos seus dotes futebolísticos (um deles é o dono da bola)
- As estrelas - os melhores jogadores, normalmente aliavam capacidade técnica e velocidade a um remate forte e colocado, conseguiam fintar meia equipa e marcar golo;
- Os normais - são jogadores regulares, sabem fazer passes, rematar e desarmar, sabem as regras do jogo mas não se destacam;
- Os guarda-redes - preferem ir à baliza do que jogar à frente, normalmente não têm medo de se mandar para o chão, sabem defender e conhecem as regras do jogo;
- Os gordos - destacam-se pela sua opulência corporal e pela sua lentidão. Não são necessariamente fracos tecnicamente.
- Os azelhas - não sabem rematar nem passar, normalmente chutam de biqueira. Não sabem as regras do jogo.
- As marias-rapazes - são raparigas que se vestem como rapazes e que gostam de jogar à bola, normalmente dominam as regras e têm boa técnica, mas são frágeis do ponto de vista físico.
O procedimento da escolha das equipas era o seguinte: Os dois capitães de equipa reuniam-se n centro do campo sendo rodeados pelos restantes colegas. Era lançada uma moeda ao ar, quem ganhasse no cara ou coroa, poderia escolher o primeiro jogador para a sua equipa, normalmente uma estrela. Depois seria a vez do capitão da outra equipa, que escolheria outra estrela, ou no caso de não haver, o jogador normal ou o guarda-redes que fosse mais seu amigo.
Depois de escolhidos os guarda-redes e todos os jogadores normais, são escolhidas as marias-rapazes e depois os gordos. Por fim, os Azelhas dividem-se pelas equipas (estes não são escolhidos e caso não haja guarda-redes cabe-lhes a função de ir à baliza).
3. Posso jogar?
Muitas vezes, a meio de um jogo aparecia um novo colega que prentendo entrar no jogo, endereçava para dentro do campo o famoso "Posso jogar?". A resposta dependia de vários factores, designadamente da categoria de jogador em que ele se insere, do número de jogadores em campo e, especialmente, do grau de amizade com o dono da bola.
4. Problemas de arbitragem
Nos jogos da bola na escola, ao contrário do que se passa na futebol a sério não há quaisquer problemas de arbitragem, porque simplesmente não há árbitros. Quando há dúvidas sobre se é falta ou não, se a bola entrou na baliza ou não, se o gordo tocou com a mão ou não, quem decide é normalmente... o dono da bola. Ele, quando se vê perante uma questão de dúvida que pode vir a prejudicar a sua equipa, não hesita e refere qualquer coisa do género: " Se se pôem com coisas, vou-me embora...ah e levo a bola!". Fica tudo decidido e acabam as polémicas.
Tenho saudades deste Futebol! Eu não era, normalmente, capitão de equipa, nem tão pouco uma estrela, contudo era sempre dos primeiros normais a ser escolhido, não sei se pelos dotes técnicos ou se por ser um tipo porreiro e normalmente amigo dos capitães!
Abraços,